Uso Médico de Canabinoides: Cinco Condições Clínicas com Maior Nível de Evidência Científica
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- 17 de jul.
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Autor: Dr. Dhãniel Baraldi - Biomédico PhD
O uso de canabinoides na medicina tem sido objeto de intensas pesquisas nos últimos anos. Diversos estudos clínicos e meta-análises têm investigado a eficácia e segurança desses compostos em várias condições clínicas. Com base nas evidências científicas mais recentes, destacam-se cinco condições nas quais o uso de canabinoides apresenta o maior nível de evidência.
Epilepsia Refratária
Ensaios clínicos multicêntricos e meta-análises sustentam o uso adjunto de canabidiol (CBD) em epilepsias refratárias, especialmente nas síndromes de Dravet e Lennox–Gastaut. Em um estudo randomizado, duplo-cego e controlado por placebo envolvendo 225 pacientes com Lennox–Gastaut, a adição de CBD a 20 mg/kg/dia reduziu a frequência mediana de “drop seizures” em 41,9 % versus 17,2 % no grupo placebo, e melhorou significativamente a qualidade de vida, com perfil de segurança superior a medicação alopática, com efeitos adversos leves e transitórios (sonolência, diminuição de apetite e elevação de transaminases em 9 % dos casos) (1).
Na Síndrome de Dravet, 43 % dos pacientes tratados com CBD alcançaram redução ≥ 50 % na frequência de convulsões convulsivas, comparado a 27 % no grupo placebo, além de melhora em escalas de impressão global do cuidador (62 % versus 34 %) (2). Uma revisão sistemática com meta-análise de seis ensaios (n = 1 034) revelou que o CBD reduz em média 33 % a frequência total de crises, aumenta em 20 % a probabilidade de resposta ≥ 50 % e melhora em 21 % a impressão global clínica, embora eleve em 12 % a taxa de eventos adversos e em 16 % os eventos graves (3).
Esses dados indicam que o CBD, em formulações orais e titulação cuidadosa, representa uma opção terapêutica eficaz e relativamente segura para epilepsias refratárias, ressaltando a necessidade de estudos prospectivos de longo prazo para otimizar protocolos e monitorar desfechos neurológicos e hepáticos (4).
Dor Crônica
A dor crônica, especialmente a de origem neuropática, tem sido uma das condições mais estudadas no contexto do uso de canabinoides. Uma meta-análise de 32 ensaios clínicos randomizados, envolvendo 5.174 pacientes, demonstrou que o uso de cannabis medicinal não inalada resultou em uma pequena mas significativa melhora na intensidade da dor, qualidade do sono e função física, em comparação com placebo. Além disso, estudos observacionais de longo prazo indicam que os canabinoides podem proporcionar alívio significativo da dor em pacientes com dor crônica não relacionada ao câncer (5,6).
Estudos focados em dor neuropática crônica constataram que formulações combinadas de THC/CBD reduziram a intensidade da dor em 6,62 unidades na EVA de 0–100 (p < 0,001) e aumentaram a probabilidade de alcançar ≥ 30 % de alívio (p = 0,008), sem aumento de eventos adversos graves (7).
Contudo, a heterogeneidade de formulações, doses e duração dos protocolos, aliada ao risco de viés elevado em muitos estudos, reforça a necessidade de ECRs multicêntricos de maior porte e com acompanhamento longitudinal para consolidar diretrizes clínicas.
Espasticidade em Esclerose Múltipla
Ensaios clínicos randomizados e meta-análises recentes sustentam a eficácia dos canabinoides — sobretudo do extrato oromucosal nabiximols (1:1 THC/CBD) — no alívio da espasticidade associada à esclerose múltipla. Em uma revisão sistemática de 31 estudos (incluindo seis ECRs), o nabiximols reduziu em média 1,41 pontos na escala numérica de espasticidade (p < 0,001) e em 0,39 pontos na escala de Ashworth modificada (p = 0,005) (8). Em outra meta-análise com 16 ECRs e 2 597 pacientes, observou-se um efeito modesto, porém consistente, na redução da espasticidade (p = 0,18) e queda na frequência de espasmos, embora sem diferença estatisticamente significante (9). O perfil de segurança é considerado aceitável, com aumento dos riscos relativos de tontura, sonolência e náusea, todos majoritariamente leves e transitórios (9).
Esses dados indicam que, embora os resultados objetivos variem, os pacientes frequentemente relatam melhora significativa na percepção de rigidez muscular, reforçando o papel dos canabinoides como coadjuvantes no tratamento da espasticidade refratária.
Náuseas e Vômitos Induzidos por Quimioterapia
Ensaios clínicos e meta-análises confirmam que os canabinoides oferecem um controle clínico relevante da náusea e do vômito induzidos por quimioterapia. Numa meta-análise recente com 26 ECRs, formulações de THC:CBD apresentaram superioridade no desfecho composto de “ausência de náusea, vômito ou necessidade de resgate” em comparação com (10).
Revisões anteriores, englobando 30 ensaios randomizados, demonstraram que o dronabinol reduz a falha antiemética frente a placebo, e que a nabilona possui eficácia comparável à metoclopramida e aos neurolépticos clássicos (11). Entretanto, há maior incidência de eventos adversos leves a moderados — sobretudo sedação, euforia e disforia — o que reforça a importância de protocolos de titulação cuidadosa e de novos estudos com comparadores modernos para otimizar o perfil risco-benefício dos canabinoides em náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia.
Transtorno do Espectro Autista
Estudos clínicos randomizados, duplo-cegos e controlados por placebo demonstram que extratos ricos em CBD apresentam perfil de segurança favorável e podem melhorar significativamente parâmetros de interação social e redução de comportamentos repetitivos em crianças com TEA, com efeitos estatisticamente significativos em escalas padronizadas como ADOS e SRS(12,13). Observações abertas de seis meses confirmaram ganhos na comunicação social e adaptabilidade em até 75 % dos participantes, conforme avaliações do ADOS, SRS e Vineland (13,14).
Apesar de relatos de efeitos adversos leves (tontura, insônia e desconforto gastrointestinal) em menos de 10 % dos casos, não foram observados eventos graves, reforçando a boa tolerabilidade de formulações orais de CBD em dosagens de até 20 mg/kg/dia (13,15).
Entretanto, a heterogeneidade dos protocolos, o viés de relatos parentais e o número limitado de ensaios controlados indicam a necessidade de estudos multicêntricos de maior poder estatístico e de avaliação a longo prazo para estabelecer diretrizes clínicas robustas.
Conclusão
O uso de canabinoides tem se mostrado promissor no tratamento das condições supracitadas, e também de outras condições clínicas, como Parkinson, distúrbios do sono e ansiedade, transtorno por uso de substâncias e Síndrome de Tourette. No entanto, é fundamental que seu uso seja orientado por profissionais de saúde, considerando as características individuais de cada paciente e as evidências científicas disponíveis. Além disso, é necessário o desenvolvimento de mais estudos clínicos para aprofundar o conhecimento sobre a eficácia e segurança dos canabinoides em outras condições clínicas.
Referências
1. Devinsky O, Patel AD, Cross JH, Villanueva V, Wirrell EC, Privitera M, et al. Effect of Cannabidiol on Drop Seizures in the Lennox–Gastaut Syndrome. N Engl J Med. 17 de maio de 2018;378(20):1888–97.
2. Devinsky O, Cross JH, Laux L, Marsh E, Miller I, Nabbout R, et al. Trial of Cannabidiol for Drug-Resistant Seizures in the Dravet Syndrome. N Engl J Med. 25 de maio de 2017;376(21):2011–20.
3. Silvinato A, Floriano I, Bernardo WM. Use of cannabidiol in the treatment of epilepsy: Lennox-Gastaut syndrome, Dravet syndrome, and tuberous sclerosis complex. Rev Assoc Médica Bras. outubro de 2022;68(10):1345–57.
4. Meissner H, Cascella M. Cannabidiol (CBD) in Clinical Care. Em: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 [citado 2 de julho de 2025]. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK556048/
5. Wang L, Hong PJ, May C, Rehman Y, Oparin Y, Hong CJ, et al. Medical cannabis or cannabinoids for chronic non-cancer and cancer related pain: a systematic review and meta-analysis of randomised clinical trials. BMJ. 8 de setembro de 2021;n1034.
6. Bialas P, Fitzcharles M, Klose P, Häuser W. Long‐term observational studies with cannabis‐based medicines for chronic non‐cancer pain: A systematic review and meta‐analysis of effectiveness and safety. Eur J Pain. julho de 2022;26(6):1221–33.
7. Sainsbury B, Bloxham J, Pour MH, Padilla M, Enciso R. Efficacy of cannabis-based medications compared to placebo for the treatment of chronic neuropathic pain: a systematic review with meta-analysis. J Dent Anesth Pain Med. 2021;21(6):479.
8. Azadvari M, Pourshams M, Guitynavard F, Emami-Razavi SZ, Taftian-Banadkouki E, Ghajarzade M, et al. Cannabinoids for spasticity in patients with multiple sclerosis: A systematic review and meta-analysis. Mult Scler J - Exp Transl Clin. outubro de 2024;10(4):20552173241282379.
9. Da Rovare VP, Magalhães GPA, Jardini GDA, Beraldo ML, Gameiro MO, Agarwal A, et al. Cannabinoids for spasticity due to multiple sclerosis or paraplegia: A systematic review and meta-analysis of randomized clinical trials. Complement Ther Med. outubro de 2017;34:170–85.
10. Chow R, Basu A, Kaur J, Hui D, Im J, Prsic E, et al. Efficacy of cannabinoids for the prophylaxis of chemotherapy-induced nausea and vomiting—a systematic review and meta-analysis. Support Care Cancer. março de 2025;33(3):193.
11. Machado Rocha FC, Stéfano SC, De Cássia Haiek R, Rosa Oliveira LMQ, Da Silveira DX. Therapeutic use of Cannabis sativa on chemotherapy-induced nausea and vomiting among cancer patients: systematic review and meta-analysis. Eur J Cancer Care (Engl). setembro de 2008;17(5):431–43.
12. Silva Junior EAD, Medeiros WMB, Santos JPMD, Sousa JMMD, Costa FBD, Pontes KM, et al. Evaluation of the efficacy and safety of cannabidiol-rich cannabis extract in children with autism spectrum disorder: randomized, double-blind, and placebo-controlled clinical trial. Trends Psychiatry Psychother [Internet]. 2024 [citado 2 de julho de 2025]; Disponível em: https://www.scielo.br/j/trends/a/TVWvDrn75t5vHNbfYSvgzTz/?lang=en
13. Pereira DA, Cheidde L, Megiolaro MDR, Camargo AEF, Weba ETP, Soares VG, et al. Efficacy and Safety of Cannabinoids for Autism Spectrum Disorder: An Updated Systematic Review. Cureus [Internet]. 17 de março de 2025 [citado 2 de julho de 2025]; Disponível em: https://www.cureus.com/articles/347254-efficacy-and-safety-of-cannabinoids-for-autism-spectrum-disorder-an-updated-systematic-review
14. Hacohen M, Stolar OE, Berkovitch M, Elkana O, Kohn E, Hazan A, et al. Children and adolescents with ASD treated with CBD-rich cannabis exhibit significant improvements particularly in social symptoms: an open label study. Transl Psychiatry. 9 de setembro de 2022;12(1):375.
15. Trauner D, Umlauf A, Grelotti DJ, Fitzgerald R, Hannawi A, Marcotte TD, et al. Cannabidiol (CBD) Treatment for Severe Problem Behaviors in Autistic Boys: A Randomized Clinical Trial. J Autism Dev Disord [Internet]. 24 de maio de 2025 [citado 2 de julho de 2025]; Disponível em: https://link.springer.com/10.1007/s10803-025-06884-y




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