Diferenças entre os Canabinoides CBD, THC e CBG: Uma Análise Farmacológica Detalhada
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- 3 de jul.
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Autor: Dr. Dhãniel Baraldi - Biomédico PhD Os canabinoides são compostos bioativos presentes na planta Cannabis sativa, com destaque para o ∆9-tetrahidrocanabinol (∆9-THC), o canabidiol (CBD) e o canabigerol (CBG). Cada um desses canabinoides possui perfis farmacológicos distintos, influenciando diversos sistemas fisiológicos no organismo humano. Este artigo visa explorar as diferenças entre THC, CBD e CBG, abordando suas propriedades moleculares, mecanismos de ação, efeitos terapêuticos e potenciais aplicações clínicas.
Estrutura Química e Biossíntese
O THC, CBD e CBG compartilham uma estrutura básica de terpenofenol, mas diferem em suas cadeias laterais e grupos funcionais. O CBG é o precursor biossintético de ambos, sendo convertido em ácido canabidiólico (CBDA) e ácido tetrahidrocanabinólico (THCA) por enzimas específicas. Enquanto a forma vegetal nativa destas moléculas é a ácida, é necessária a conversão de THCA e CBDA em THC e CBD por descarboxilação térmica, para que estes compostos atuem com máxima potência farmacológica (1).
Mecanismos de Ação
THC (Δ⁹-tetrahidrocanabinol)
O THC é um agonista parcial dos receptores canabinoides CB1 e CB2, com afinidade significativa pelo CB1, localizado principalmente no sistema nervoso central. Sua ativação do CB1 está associada aos efeitos psicoativos característicos, como euforia, alteração na percepção e coordenação motora prejudicada. Além disso, o THC interage com canais TRPV1 e TRPV2, influenciando a percepção de dor e temperatura corporal (2).
CBD (Canabidiol)
O CBD possui baixa afinidade pelos receptores CB1 e CB2, mas atua como modulador alostérico negativo no CB1, reduzindo a afinidade do receptor por agonistas. Além disso, o CBD é um agonista parcial do receptor 5-HT₁A, envolvido na regulação do humor e da ansiedade. O CBD também interage com canais TRPV1 e TRPM8, influenciando a percepção de dor e temperatura (3).
CBG (Canabigerol)
O CBG é um agonista fraco dos receptores CB1 e CB2, com afinidade significativamente menor que o THC. Além disso, o CBG é um agonista potente do receptor α₂-adrenérgico e um antagonista moderado do receptor 5-HT₁A, influenciando a liberação de neurotransmissores e modulando a resposta inflamatória (4,5).
Efeitos Terapêuticos
THC
O THC é amplamente utilizado no manejo da dor crônica, náuseas induzidas por quimioterapia e estimulação do apetite em pacientes com caquexia. Além disso, estudos sugerem seu potencial no tratamento de distúrbios do sono e espasticidade associada a condições neurológicas (6).
CBD
O CBD tem demonstrado eficácia no tratamento de epilepsias refratárias, como a síndrome de Dravet e a síndrome de Lennox-Gastaut. Além disso, estudos indicam seu potencial no manejo da ansiedade, depressão, psicose e neuroproteção em doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson (3).
CBG
O CBG tem mostrado propriedades anti-inflamatórias e neuroprotetoras, com potencial terapêutico em doenças como glaucoma, doença de Huntington, doença de Parkinson e esclerose múltipla. Além disso, estudos indicam sua atividade antibacteriana e potencial no tratamento de doenças inflamatórias intestinais (7).
Farmacocinética
THC
O THC é altamente lipofílico, sendo bem absorvido por via pulmonar (inalação) e apresentando biodisponibilidade oral limitada devido ao metabolismo de primeira passagem hepática. Sua meia-vida varia entre 1 a 10 horas, dependendo da via de administração e da dose consumida (8).
CBD
O CBD também é lipofílico e apresenta baixa biodisponibilidade oral (aproximadamente 6–19%). Sua absorção é aumentada quando administrado com alimentos ricos em gordura. O CBD é metabolizado no fígado por enzimas do citocromo P450, como CYP3A4 e CYP2C19, e tem uma meia-vida que varia de 1,4 a 10,9 horas após administração oral (9).
CBG
O CBG é rapidamente absorvido e distribuído nos tecidos, incluindo o sistema nervoso central. Sua meia-vida e perfil de metabolização ainda estão sendo investigados, mas estudos indicam que o CBG é metabolizado no fígado por enzimas do citocromo P450, similar ao CBD (7).
Efeitos Colaterais e Considerações Clínicas
THC
Os efeitos adversos do THC incluem ansiedade, paranoia, comprometimento cognitivo e psicomotor, especialmente em doses elevadas. Além disso, o uso crônico pode levar a dependência e síndrome amotivacional (10).
CBD
O CBD é geralmente bem tolerado, com efeitos adversos raros e leves, como sonolência, diarreia e alterações no apetite. No entanto, o CBD pode interagir com medicamentos metabolizados pelas enzimas CYP450, como anticoagulantes e anticonvulsivantes, exigindo monitoramento clínico cuidadoso em terapias combinadas (11,12).
CBG
Embora menos estudado clinicamente, o CBG tem apresentado um perfil de segurança favorável em estudos pré-clínicos. Até o momento, os efeitos adversos relatados são mínimos, mas são necessários ensaios clínicos controlados em humanos para estabelecer a segurança em longo prazo. Além disso, como o CBG também é metabolizado por enzimas do citocromo P450, há potencial para interações medicamentosas semelhantes às observadas com o CBD (13).
Conclusão
Os canabinoides CBD, THC e CBG possuem perfis farmacológicos distintos, refletindo-se em diferentes interações com receptores, efeitos fisiológicos, aplicações terapêuticas e riscos associados. O THC é psicoativo e atua principalmente como agonista dos receptores CB1 e CB2, sendo eficaz em distúrbios como dor crônica, náuseas e espasticidade, mas com maior risco de efeitos adversos neurológicos. O CBD, por sua vez, é não-psicoativo e modula diversos sistemas, como serotoninérgico e vaniloide, com aplicações promissoras em epilepsia, ansiedade e doenças neurodegenerativas. Já o CBG, menos estudado, demonstra potencial anti-inflamatório, neuroprotetor e antibacteriano, sendo considerado um canabinoide “emergente” com perfil terapêutico amplo.
Com o avanço da pesquisa clínica e farmacológica, espera-se que o entendimento aprofundado desses compostos contribua para terapias mais eficazes, seguras e individualizadas, especialmente em contextos de medicina personalizada.
Referências
1. Tahir MN, Shahbazi F, Rondeau-Gagné S, Trant JF. The biosynthesis of the cannabinoids. J Cannabis Res. 15 de março de 2021;3(1):7.
2. Stella N. THC and CBD: Similarities and differences between siblings. Neuron. fevereiro de 2023;111(3):302–27.
3. Martinez Naya N, Kelly J, Corna G, Golino M, Abbate A, Toldo S. Molecular and Cellular Mechanisms of Action of Cannabidiol. Molecules. 9 de agosto de 2023;28(16):5980.
4. Calapai F, Cardia L, Esposito E, Ammendolia I, Mondello C, Lo Giudice R, et al. Pharmacological Aspects and Biological Effects of Cannabigerol and Its Synthetic Derivatives. Taglialatela Scafati O, organizador. Evid Based Complement Alternat Med. 8 de novembro de 2022;2022:1–14.
5. Cascio M, Gauson L, Stevenson L, Ross R, Pertwee R. Evidence that the plant cannabinoid cannabigerol is a highly potent α2 ‐adrenoceptor agonist and moderately potent 5HT1A receptor antagonist. Br J Pharmacol. janeiro de 2010;159(1):129–41.
6. Russo EB. Taming THC: potential cannabis synergy and phytocannabinoid‐terpenoid entourage effects. Br J Pharmacol. agosto de 2011;163(7):1344–64.
7. Nachnani R, Raup-Konsavage WM, Vrana KE. The Pharmacological Case for Cannabigerol. J Pharmacol Exp Ther. fevereiro de 2021;376(2):204–12.
8. Blebea NM, Pricopie AI, Vlad RA, Hancu G. Phytocannabinoids: Exploring Pharmacological Profiles and Their Impact on Therapeutical Use. Int J Mol Sci. 10 de abril de 2024;25(8):4204.
9. Castillo-Arellano J, Canseco-Alba A, Cutler SJ, León F. The Polypharmacological Effects of Cannabidiol. Molecules. 6 de abril de 2023;28(7):3271.
10. Urits I, Charipova K, Gress K, Li N, Berger AA, Cornett EM, et al. Adverse Effects of Recreational and Medical Cannabis. Psychopharmacol Bull. 12 de janeiro de 2021;51(1):94–109.
11. Iffland K, Grotenhermen F. An Update on Safety and Side Effects of Cannabidiol: A Review of Clinical Data and Relevant Animal Studies. Cannabis Cannabinoid Res. janeiro de 2017;2(1):139–54.
12. Madeo G, Kapoor A, Giorgetti R, Busardò FP, Carlier J. Update on Cannabidiol Clinical Toxicity and Adverse Effects: ASystematic Review. Curr Neuropharmacol. novembro de 2023;21(11):2323–42.
13. Russo EB, Cuttler C, Cooper ZD, Stueber A, Whiteley VL, Sexton M. Survey of Patients Employing Cannabigerol-Predominant Cannabis Preparations: Perceived Medical Effects, Adverse Events, and Withdrawal Symptoms. Cannabis Cannabinoid Res. 1o de outubro de 2022;7(5):706–16.




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